Após ver na imprensa as notícias sobre a fraude envolvendo o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a pensionista Raniele Menezes, de 30 anos, decidiu checar o seu extrato para saber se estava tudo certo com o benefício que ela recebe desde 2012. Aí que veio a surpresa: um desconto indevido no valor de 37,65.
Na descrição do extrato, a cobrança aparece como “Contribuição aapb 0800 111 0099”. Raniele relata que "nunca nem ouviu falar na vida" sobre essa associação, tampouco autorizou o desconto.
O susto foi ainda maior quando Raniele verificou os meses anteriores e descobriu que o desconto vem sendo efetuado desde 2015, com uma pausa entre 2020 e 2022, voltando a ser cobrado em valor maior no ano de 2023.
“Desde abril de 2023 está sendo descontado esse valor (de R$ 37,65). Também descobri um desconto de R$ 17,45, que foi efetuado de 2015 a 2020”. Ao todo, as cifras cobradas ultrapassam R$ 2 mil.
Além dos descontos na própria pensão, Raniele também descobriu cobranças no benefício que a mãe dela recebe há 17 anos. “Várias cobranças de alguns centavos, às vezes de R$ 1, feitos por essas mesmas associações”.
Uma pesquisa rápida sobre a descrição da cobrança no extrato de Raniele mostra que a sigla "AAPB" e o número mostrado se referem à Associação dos Aposentados e Pensionistas do Brasil, com sede em Fortaleza, no bairro Aldeota. A pensionista já solicitou a exclusão do desconto pelo aplicativo do INSS.
A AAPB é uma das entidades investigadas pela Controladoria Geral da União (CGU) em meio ao escândalo do INSS, em que associações representativas de aposentados e pensionistas cobraram R$ 6,3 bilhões de beneficiários sem a autorização dos mesmos.
No site "Reclame Aqui", a AAPB recebeu 540 reclamações. Nenhuma delas foi respondida na plataforma. As queixas são justamente sobre cobranças indevidas, que conforme os relatos começaram entre 2018 e 2025.
Em seu site, a Associação se descreve como "dedicada a apoiar aposentados e pensionistas do regime geral de previdência social desde 1º de dezembro de 2003”. A reportagem procurou a AABP para um posicionamento sobre as acusações, por telefone e e-mail, mas não houve retorno. O espaço está aberto.
Na última sexta-feira (25) o INSS divulgou nota afirmando que os acordos de cooperação com 11 instituições foram suspensos e que os descontos serão devolvidos.
"Aposentados e pensionistas do INSS que tiveram desconto de mensalidade associativa não autorizado no contracheque de abril terão o dinheiro devolvido na próxima folha de pagamento (maio) e as demais mensalidades foram descontinuadas", diz o instituto.
Entidades investigadas pela CGU e ano da assinatura do acordo
Contag – 1994
Sindnapi – 2014
Ambec – 2017
Conafer – 2017
AAPB - 2021
AAPPS Universo – 2022
Unaspub – 2022
APDAP PREV (antiga Acolher) – 2022
ABCB/Amar Brasil – 2022
CAAP – 2022
AAPEN (antiga ABSP) – 2023
'Sem saber o que fazer'
Também a partir do noticiário, a aposentada e pensionista Maria de Jesus dos Santos Bezerra, 77 anos, resolveu verificar o seu extrato. Ela descobriu uma cobrança neste mês, descrita como “Contrib. anddap 0800 202 0181”. Sem muita familiaridade com o aplicativo, ela pediu ao filho que checasse se os descontos também ocorreram em outros meses.
Ela ficou perplexa e revoltada quando o filho lhe disse que as cobranças vinham sendo feitas pelo menos desde o ano passado. “A gente só viu os extratos de 2024 e de 2025, não sabemos se houve desconto nos outros anos. Pelo que vimos, começou em julho do ano passado".
"De julho de 2024 até dezembro deste ano, as cobranças foram de R$ 77,86 mensais. De janeiro a maio desde ano, passou para R$ 81,57 por mês”. Ao todo, as retiradas somam quase R$ 800.
“Estamos sem saber o que fazer. Nós pesquisamos e vimos que esse ‘Anddap’ é a Associação Nacional de Defesa dos Direitos dos Aposentados e Pensionistas, em São Paulo”. A Anddap não aparece entre as 11 empresas investigadas pela CGU, conforme divulgado pelo INSS. A coluna também procurou a associação, mas não houve retorno.
Como descobrir se há desconto indevido no seu pagamento?
Para checar se há algum desconto, o primeiro passo é acessar o extrato do benefício no site ou app Meu INSS. No menu, o segurado deve procurar por "Extrato de Pagamento de Benefício" e verificar se há alguma rubrica indicando "mensalidade associativa" ou o nome de uma entidade desconhecida – essa rubrica pode aparecer como a sigla da associação, como nos casos relatados acima.
Solicite a exclusão do desconto pelo Meu INSS
No sistema do Meu INSS, use a opção “Solicitar exclusão de mensalidade associativa”. O pedido também pode ser feito presencialmente em uma agência, com agendamento prévio pelo 135.
Notifique a entidade responsável
Se o nome da associação constar no extrato, o segurado pode enviar uma notificação extrajudicial exigindo o fim do desconto e a devolução dos valores pagos, com correção. O consumidor também pode registrar uma reclamação no Procon e na plataforma Consumidor.gov.br.
Como receber de volta o dinheiro descontado indevidamente
Caso não haja devolução voluntária, o beneficiário pode ingressar com uma ação judicial na Justiça Federal ou nos Juizados Especiais Federais (para causas de até 60 salários mínimos), pedindo:
- Restituição dos valores pagos de forma indevida;
- Indenização por danos morais, se houver sofrimento ou prejuízo financeiro;
- Suspensão imediata dos descontos, por meio de pedido de tutela de urgência.
- Também é possível buscar gratuitamente a Defensoria Pública da União (DPU), que poderá representar o segurado na ação.