quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Artigo: A Virgem Grávida

Existem coisas que não podem ser concebidas sem pecado.

A mentira, certamente, é uma delas.

Alguém já disse com muita propriedade que não há nada mais parecida com a verdade do que a mentira.

Recentemente, fui ferido por arrebatados pronunciamentos em cadeia de emissoras de rádio.

Ao louvarem o deus doméstico, as falas não fizeram mais do que uma obrigação. Das antigas.

Contei até dez os mandamentos e, comodamente situado na terceira margem deste antigo rio rejuvenescido por águas novas, deslizei serenamente os olhos pelo meu atilado atlas com a finalidade de examinar o passado de Irapoaca.

Irapoaca, não custa lembrar, é um asteroide do nosso Sistema Solar, onde o poder de administrar foi, primitivamente, disputado na ponta da faca e dos cascos; depois veio a civilização e a disputa passou a ser por meio de artilharia de festim. O vencedor, invariavelmente, é elevado à condição de rei. Sim, Irapoaca é um reino, distinguindo-se dos demais por ter prazo de validade: quatro anos.

Ali, no meu escrupuloso atlas, verifiquei acontecimentos históricos e fiquei com a certeza de que quem faz um cesto é capaz de fazer um cento, como já bem dizia o meu avô.

Entendo que quem faz um cesto e este cesto é consagrado como peça extraordinária tem motivos de sobra para fazer não apenas cem cestos, mas mil cestos, não importando para o artesão se o seu artefato é feito de verdade imaculada ou de mentira torpe, imoral, indecorosa, infame, repulsiva, asquerosa, nojenta.

Na página 1992 do meu perspicaz atlas, há o relato da fabricação de uma mentira que não cabe num cesto, não cabe sequer em uma urna, sendo necessário, talvez, todas as urnas do mundo para acondicioná-la.

A informação dá conta de que um lote de correligionários e sete vezes estes de cretinos e desmiolados adeptos de um dos candidatos a rei de Irapoaca, às vésperas de uma eleição, postaram-se defronte ao Cartório Eleitoral com a viva ameaça de invadi-lo, alegando, para isso, a fábula de que uma das muitas urnas destinadas ao recolhimento das cédulas eleitorais já se encontrava com votos até na goela, tão bojuda estava. Votos, cumpre dizer, com maioria absoluta para o outro candidato a rei.

Certamente, o lote de correligionários não foi o autor da diabólica ideia; muito menos o ato foi idealizado pelos cretinos e desmiolados; ele, o magote de correligionários, deve ter servido, e com muito gosto, como lançador da extravagante armação. Os cretinos e desmiolados apenas seguiram o que lhes pareceu agradável.

A impactante declaração moveu céus e uma considerável banda de Irapoaca. A Justiça Eleitoral, mesmo apurando e verificando que se tratava de uma mentira descomunal, decidiu promover a substituição da juíza a quem cabia presidir aquelas eleições, cujo resultado foi jubiloso para o lote de correligionários e para os seus seguidores cretinos e desmiolados.

Somente cretinos, desmiolados e mal intencionados conseguem acreditar em mentira deste porte: que alguma funcionária do Cartório Eleitoral iria colocar, ou permitir que outro pusesse, dentro de uma urna cédulas eleitorais devidamente assinaladas, fraudando a eleição.

É mais fácil que as atuais urnas eletrônicas tenham resultados manipulados do que substituir fraudulentamente uma daquelas antigas urnas. Elas sempre foram religiosamente acompanhadas, vale dizer, vigiadas, pelos mais interessados no resultado da eleição, no caso, os próprios candidatos, e por seus fiscais, ou conjuntamente.

Os antigos fiscais de partidos estão por aí, vivinhos da silva, para asseverar isso, caso tenham algum compromisso com a verdade.

Bem, dirá você, se a Justiça Eleitoral apurou o caso ora relatado e concluiu que tudo não passou de uma farsa, então fica comprovado que a mentira tem pernas curtas.

Bom. Para determinado grupo de pessoas, isso se verifica. Para outro grupo (aquele formado por apaixonados, por oportunistas, por cretinos e por desmiolados) a mentira dita pelo deus de sua religião, de sua devoção, de sua predileção, que vem a ser o gestor que adora ser bajulado por aproveitadores de situações favoráveis para receber o que não lhes é devido, para esse grupo a mentira tem coxas poderosas, panturrilhas olímpicas e graciosas patinhas de gazela.

Francisco Rodrigues
Servidor Público

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