segunda-feira, 1 de julho de 2024

Energia de ‘gatos' no CE daria para abastecer Caucaia, Maracanaú, Sobral e Juazeiro juntos por 1 ano

A quantidade de energia elétrica furtada no Ceará atingiu o índice de 1,25 TWh (Terawatt-hora) em 2023. Esse volume de perdas não técnicas (PNT), conhecidas popularmente como ‘gatos’, daria para abastecer os municípios cearenses de Caucaia, Maracanaú, Sobral e Juazeiro do Norte juntos por um ano. 

O comparativo foi feito pela Enel Ceará a partir do levantamento da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), com base nos dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A entidade aponta que o país alcançou um recorde de PNT, com 40.78 TWh furtados em 2023.

A pesquisa mostra que o percentual de energia furtada chega a 15,6% no Ceará. O montante faz o estado ser o 3º do Nordeste com maior incidência de ‘gatos’.

“Você tem o volume de energia que a distribuidora faturou, ou seja, que ela emitiu fatura de energia elétrica. E daí você desconta as perdas técnicas, que são calculadas com a metodologia já estabelecida. A diferença é a chamada perda não técnica, que é o furto de energia elétrica”
Marcos Madureira

Presidente da Abradee

Uma parcela dessas perdas não técnicas é distribuída dentro do preço da tarifa. Anualmente, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) estabelece a PNT Regulatória, patamar dos custos que as companhias podem repassar aos consumidores, em contraponto à PNT Real, que é o valor furtado de fato.

Como explica o presidente da Abradee, Marcos Madureira, a diferença do que está entre a regulatória e a perda total é a distribuidora que assume, sendo que uma parte vai para os consumidores. No ano passado, essa discrepância atingiu o maior valor desde 2008.

De acordo com a Enel Ceará, o valor pago pelo consumidor é afetado pela energia que é furtada, já que parte dessa perda não técnica entra para os cálculos da tarifa. Ou seja, isso pode motivar a alta da conta de luz. 

Outro impacto está na qualidade do fornecimento de energia que chega até o consumidor. A companhia explica que o sistema é projetado para suportar uma demanda esperada. Com os ‘gatos”, a energia furtada não é dimensionada, o que gera superaquecimento de equipamentos, sobrecarga e curto-circuito.

As ações de furto de energia também representam um alto risco de acidentes, até mesmo fatais. Os perigos alcançam tanto os que manipulam a rede elétrica indevidamente, quanto a população de um modo geral.

“Um ‘gato’ oferece um risco muito grande, não só para o usuário que está utilizando aquela energia furtada, mas também para as pessoas que circulam naquela região. Pode ter um cabo partido, pode deixar, por exemplo, o medidor energizado acidentalmente. Então, tem uma série de riscos, não só o financeiro”

CENÁRIO NACIONAL

Entre 2022 e 2023, as perdas não técnicas atingiram sua maior elevação, saltando 20%, de 34,15 TWh para 40,78 TWh, segundo dados do levantamento da Abradee. Com esse volume, caso fosse uma usina, a energia furtada seria a segunda maior do Brasil.

Ranking de maiores usinas no Brasil

USINA QUANTIDADE DE ENERGIA (GARANTIA FÍSICA)

1. Itaipu (parte brasileira) 7.750 MWmed
Usina 'Gatos' (PNT) 4.655 MWmed
2. Belo Monte 4.418 MWmed
3. Tucuruí 4.019 MWmed
4. Santo Antônio 2.313 MWmed
5. Paulo Afonso IV 2.235 MWmed

O presidente da entidade explica que o valor das perdas não técnicas foi da ordem de R$ 12,7 bilhões no ano passado. Madureira relaciona o montante com o valor subtraído durante o assalto ao Banco Central, em Fortaleza, em agosto de 2005. 

“Naquela época foi roubado algo em torno de R$ 164 milhões. Se atualizarmos este valor, temos algo em torno de R$ 438 milhões. Se compararmos com esse volume de R$ 12,7 bilhões, que é o total do roubo de energia elétrica, é como se nós tivéssemos um assalto ao Banco Central a cada 13 dias no Brasil, para termos o tamanho da dimensão do que isso representa", compara.

‘GATOS’ X RENDA

Engana-se quem pensa que as ligações clandestinas se concentram em áreas de maior vulnerabilidade social, explica Eduardo Gomes. Locais de maior renda costumam registrar grandes volumes de energia furtada, principalmente pensando no porte do consumo que é demandado. 

“Nós temos um preconceito que se concentra nessas regiões menos abastadas, mas muito pelo contrário. Nós temos, infelizmente, em regiões nobres da cidade e não é um caso ou outro não, são muitos. Aldeota, Meireles, Papicu, comércios e restaurantes”, evidencia o gerente. 

No mesmo sentido, Carlos Madureira aponta que as perdas não técnicas ocorrem em todos os segmentos da sociedade, sendo que, no geral, nas áreas de maior vulnerabilidade social isso aparece de uma maneira mais clara, enquanto as áreas mais ricas apresentam mais mecanismos para viabilizar ligações clandestinas. 

“Você tem coisas mais sofisticadas, onde muitas vezes há artefatos para burlar um medidor, para poder burlar conexão em regiões com um consumo mais alto com fornecimento de energia elétrica, por exemplo, até para fins produtivos”, comenta.

O gerente de Leitura e Inspeções da Enel Ceará salienta que o trabalho da companhia de combate aos ‘gatos’ passa por diversas frentes, incluindo medidas técnicas. Parte importante disso, as inspeções buscam encontrar fraudes e desvios, a partir da análise de dados e vistorias em campo. Durante todo o ano de 2023, foram realizadas quase 233 mil ações nesse sentido. 

Madureira ressalta que essa atuação das distribuidoras é impactada por questões de segurança pública, o que exige uma maior integração com diversos atores. “Por isso, a gente coloca a importância da participação das entidades de segurança pública, do Judiciário também, no combate às perdas. Ela não é uma ação só da distribuidora, que tem um trabalho de identificar, mas é um roubo como qualquer outro e tem que ser combatido como roubo”, defende.

PREVENÇÃO

Além das inspeções rotineiras, a Enel também realiza ações educativas. Há atividades que incluem palestras e ações voltadas para a população, abordando segurança e eficiência energética. 

Um dos projetos é o ‘Energia Legal’. O intuito é combater o furto de energia e aproximar os serviços dos clientes, com atendimento móvel, negociação de dívidas em condições especiais, troca de geladeiras e lâmpadas, além de orientações acerca do consumo consciente e de segurança com a rede.

Outra frente é a operação ‘Happy Hour’. Também em combate às ligações clandestinas, a iniciativa de inspeções noturnas conta com o apoio da Polícia Civil. O foco é a busca por irregularidades em estabelecimentos, como bares e restaurantes.

“O nosso maior foco não é simplesmente olhar as perdas, mas ter uma ação sustentável, por isso que a gente fala de disciplina de mercado. Porque todos nós acabamos saindo perdendo com isso”, enfatiza Eduardo Gomes.

Diário do Nordeste

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