Quando o mestre da música popular brasileira, Ataulfo Alves, compôs letra e música de “Meus Tempos de Criança”, obra que entrou para a galeria da eternidade, a intenção foi homenagear a pequena Miraí, cidade que lhe viu nascer.
Todavia, não levasse em conta, que estivesse falando das lembranças que toda criança carrega da infância alegre e feliz, vivida em seu torrão natal, onde a cidade da gente se transforma na pátria da gente.
Este é um hino que, quando ouvido com o coração, deixa a mente liberar as imagens que nos fizeram apaixonar definitivamente por este torrão.
“Aos domingos missa na matriz....que saudade da professorinha, que me ensinou o be-a-bá...”. E por aí vai o cancioneiro popular ferindo na carne as lembranças de um tempo que não volta mais.
Este preâmbulo nos faz lembrar nossa pequenina Icó - Ceará. Princesa do nosso coração, onde jogamos bola com os pés descalços na amplidão da Várzea do Colégio Senhor do Bonfim e nas sombras seculares de nossas Tamarineiras.
Tomamos banho na fria água que escorria das bocas de jacaré da Igreja Matriz, quando a chuva vinha derramar sua alegria no famoso Largo do Théberge, testemunho vivo da história que fez esta cidade sair do ventre materno da Ribeira do Salgado, onde os índios Icós descansavam no areal imenso e dormiam sob a proteção generosa de oiticicas, Juazeiros e Tamarindeiros.
Um tempo depois, a vaqueirama em expedições rotineiras, tangia vacas e bois, que atravessavam as plagas do Maranhão e Piauí, concretizando o chamado Caminho das Boiadas. Em Icó, cruzavam o Rio Salgado em Zé Barreto e desfilavam pela planície do Largo do Théberge, para o estabelecimento do maior comércio a céu aberto do nordeste brasileiro que o botânico e pesquisador Freire Alemão chamou, um dia, de “maior empório comercial do sertão”.
Os ciclos do “charque e do couro” trouxeram riquezas e prosperidade, trouxeram marinheiros de Portugal, da Espanha e da França. Trouxeram os casarões, os sobrados em estilo barroco, trouxeram o Teatro da Ribeira dos Icós e com ele a arte clássica representada por um piano de calda colocado como principal mobiliário das salas da aristocracia exposta pela riqueza que se expandia pelos rincões do Icó.
Também vieram a importância geográfica, e a importância política, consagradas pela pungente economia que nascia generosamente pelas veias abertas da mãe natureza e pela capacidade empreendedora dos Icoenses de então. Mas a vida corre como fio de água pelos dedos das mãos. E sentimos saudade dos tempos bons que se foram.
Dos 500 anos do Brasil, mais de 300 foram vividos por esta nossa terra dos Icós e por nossa gente, 277 documentados, lacuna não suprida até hoje por um legislativo inoperante para a proteção da história. De lá para cá, tanta coisa mudou.
O município, que nas regras atuais aniversaria em 25 de outubro, e completa 174 anos de emancipação política, já viveu grandes datas.
Toureiro e boi foram trazidos da Espanha para a reprodução da famosa “Tourada de Madri”, bandas marciais desfilaram por suas ruas bem traçadas chamando a população para os eventos de um mês inteiro de comemorações, a SEMIC (Semana do Município) se estabeleceu trazendo atrações nacionais de bom nível e revelando talentos locais na arte, na literatura e na comida tipicamente sertaneja.
As festas estrondaram fazendo tremer o famoso largo com forró e bebedeira em noites incansáveis. Tudo se foi.
Agora a cidade comemora uma data incerta, em um dia incerto e com programação inexistente.
Aniversário pífio para uma cidade grandiosa que guarda nos paredões da história a memória de um passado rico e glamoroso, hoje decaído por dias de incertezas tantas.
No final da tarde, com o sol batendo melancolicamente na torre da igreja da Matriz de Nossa Senhora da Expectação, resta lembrar do trecho da eterna melodia composta por Antônio Almeida e Braguinha: “A saudade mata a gente, morena. A saudade é dor pungente, morena.”
Parabéns por sua emancipação política administrativa Icó!
(Por Fabrício Moreira da Costa, advogado e contista).
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