domingo, 14 de abril de 2019

Média de 16 medidas protetivas são concedidas por dia

Dez meses antes de ser assassinada pelo ex-companheiro, a costureira Maria Rosemeire de Santana prestou boletim de ocorrência em desfavor de Severo Manoel Dias Neto, pai dos dois filhos do casal e requereu medida protetiva de urgência, com base na Lei Maria da Penha. O pedido foi deferido. Família, Justiça e Polícia. Todos estavam cientes dos riscos que a mulher corria, e mesmo assim o maior ato de violência aconteceu.

Rosemeire foi morta no último dia 2 de abril, dentro de casa, na frente das crianças e da mãe, depois de 16 anos de convivência entre vítima e agressor. Severo fugiu e na noite dessa terça-feira (9) foi preso preventivamente. Antes do homicídio, Maria pediu ajuda às autoridades mais vezes. Em novembro de 2018, conforme os autos, Severo Manoel descumpriu a medida protetiva pela primeira fez e invadiu a residência da vítima.

Ciente da proibição de manter contato com a mulher e de ver os filhos, quando voltou à casa, o homem disse que estava ali porque "esses papel não vale de nada"(sic). No fim do ano passado, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgou que o Poder Judiciário cearense era o segundo do Nordeste a mais deferir medidas protetivas.

No primeiro trimestre de 2019, só pelo Juizado da Mulher de Fortaleza, foram 1.470 medidas protetivas deferidas. No ano passado o número chegou a 4.891, e em 2017 6.454. De acordo com o levantamento do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), foram 12.815 medidas em dois anos e três meses.

Os números e a ocorrência envolvendo a costureira Maria demonstram a realidade de milhares de mulheres que tentam se proteger e evitar entrarem para as estatísticas de feminicídios. A dificuldade de se manter longe dos agressores, por vezes determinada por questões financeiras - como trocar o endereço e recomeçar em outro lugar - , aliada à falta de proteção por parte do poder público, matou Rosemeire e tantas outras.

Levantamento do Tribunal de Justiça aponta que, atualmente, há cerca de 21 mil procedimentos por violência doméstica em tramitação no Juizado da Mulher de Fortaleza. Para a diretora do Departamento de Polícia Especializada de Proteção aos Grupos Vulneráveis (DPEGV), delegada Rena Gomes, os números mostram que as vítimas passaram a dar mais credibilidade aos órgãos públicos.

"Só na Delegacia de Defesa da Mulher de Fortaleza temos 670 inquéritos instaurados. O aumento das denúncias é positivo. Já na delegacia, a titular avalia a necessidade da vítima ir para um abrigo. Nos casos que há medida protetiva deferida pelo Poder Judiciário e, após o deferimento, o homem descumpre, ele pode ser preso em flagrante imediatamente. Se não for possível prender em flagrante, a vítima deve retornar à delegacia e aí pode ser pedida a prisão preventiva", destaca Rena Gomes.

Um dos inquéritos da DDM de Fortaleza é relacionado ao caso de Maria Valentina (nome fictício). A reportagem conversou com a mulher vítima de uma série de agressões do ex-namorado, e ela afirma: "é extremamente difícil assumir que você realmente precisa de ajuda pra sair de um ciclo abusivo em um relacionamento. Tomar a decisão de fazer a queixa, de pedir a medida, de iniciar todo o processo é uma mistura de vários sentimentos que mexeram e ainda mexem com o meu psicológico".

A vítima conta que, mesmo meses depois, sua saúde mental não voltou a ser mesma. A dor da experiência de ter passado por repetidas agressões até perceber que não merecia aquilo fez com que ela escutasse a família e pedisse a medida protetiva.

"Eu já estava completamente sem forças para lidar com a situação. Acredito que a medida protetiva seja fundamental e que funciona em algumas situações, infelizmente ainda não em todas, até porque a medida não impede que o sujeito se aproxime de mim ou de qualquer outra vítima e sim só tem efeito depois que as autoridades forem acionadas, o que em alguns casos pode ser tarde demais", lembrou Valentina.

A professora Socorro Osterne, membro do Núcleo de Acolhimento Humanizado às Mulheres em Situação de Violência da Universidade Estadual do Ceará (Uece), ressalta que quando o Estado concede a medida e mesmo assim a mulher morre, isso mostra que não existem ações sólidas para retirar essa vítima do convívio junto ao agressor.

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