quarta-feira, 22 de julho de 2020

Juazeiro do Norte vive iminência do pico da pandemia da Covid-19

Quatro meses após o primeiro registro de pacientes infectados pelo novo coronavírus no Estado, a doença se alastrou e já flutuou por todas as cidades cearenses. O emprego do verbo flutuar justifica-se diante da sua capacidade de traduzir o perfil nômade do vírus SARS-CoV-2. O primeiro epicentro da doença foi na Capital cearense. Em seguida, após a curva de contágio se estabilizar em Fortaleza, as atenções (e preocupações) se voltaram a Sobral. Agora, os cuidados recaem sobre a região Sul, sobretudo em Juazeiro do Norte, cidade na qual vive seu momento mais delicado.

Conforme uma pesquisa do Mesor (Modelagem Estatística, Simulação e Otimização de Risco) da Universidade Federal do Cariri, feita a pedido do Sistema Verdes Mares, o pico da doença em Juazeiro deve ser presenciado nesta semana. O estudo levou em consideração números consolidados entre o dia 23 de março - data do primeiro registro na cidade - a 19 de julho, período em que foi realizada a análise.

Os dados foram extraídos da Secretaria da Saúde do Município. O coordenador do Mesor, Paulo Renato Firmino, explica, porém, que este cenário pode sofrer mutação a partir da atualização de novos casos.

"É uma projeção feita a partir da análise matemática da curva de disseminação dos casos registrados. Utilizamos dois métodos, um tradicional, conhecido pela sigla SIR, e o que propomos, o NCB [non-central beta]. A variação diária de novos casos pode mudar, adiando ou até mesmo antecipando essa projeção de pico", detalha. Esse ápice poderia ocorrer, segundo o Mesor, a partir de hoje (22).

Preocupante

Em números absolutos, o cenário é crítico. Em 23 de abril, um mês após o primeiro caso confirmado, a cidade chegou a 11 infectados. Um crescimento tímido. Trinta dias após, este número saltou para 146. Mais um mês decorrido e o índice de infectados em Juazeiro do Norte já estava em 1.892. A partir de então a disseminação do vírus ocorreu de forma rápida, contínua e progressiva. O atual mês de julho tem sido o mais preocupante.

Foram 4.919 novos casos registrados em apenas 19 dias, o que converge para uma média diária de 258,8 infectados. Até ontem (21) já eram 8.374 pessoas infectadas pela Covid-19.

Em um intervalo de um mês (21 de julho a 21 de junho), o acréscimo foi de 407,5%. O número de óbitos também apresentou alta. Em 21 de julho, 59 vidas tinham sido silenciadas em decorrência da doença. Até ontem, eram 182, salto de 208%. O balanço foi feito pelo Núcleo de Dados do SVM.

Com a manutenção da curva, Juazeiro do Norte deve superar Sobral e alcançar, até a próxima semana, o indigesto posto de segunda cidade cearense com mais casos do novo coronavírus, hoje ocupado por Sobral, com 9.600 infectados. Há um mês, a cidade da região Norte tinha 5.421 casos. Neste intervalo, enquanto Juazeiro avançou quase 410%, Sobral apresentou alta de 77%. O índice revela uma tendência de queda da disseminação.

A projeção, inclusive, norteou a decisão do Governo do Estado em permitir que Sobral avançasse para a fase 1 do plano de retomada das atividades econômicas. A partir de hoje (22) comércios atacadista e varejista, shoppings e exibição cinematográfica por meio de "drive in" passam a poder funcionar em Sobral.

Diante deste cenário de alta, é natural que a taxa de ocupação dos leitos seja acompanhada com mais atenção. A capacidade de atendimento ofertada pelo município pode representar mais vidas salvas numa pandemia. Os números, entretam, sugerem cuidado.

Ocupação

Dos 89 leitos de UTI do Hospital Regional do Cariri (HRC), 74 estão ocupados (83,15%). Já para os leitos de enfermaria, a taxa de ocupação é de 76%. Os dados são do IntegraSus, plataforma oficial da Secretaria da Saúde (Sesa) do Estado.

Questionada se o aumento nos casos em Juazeiro do Norte inspira preocupação e se a rede hospitalar está apta a atender a alta demanda, a secretária da Saúde, Glauciane Torres, não respondeu até o fechamento da matéria.

Cenário futuro

A infectologista Mônica Saldanha avalia que há uma relação entre a quebra das medidas de isolamento e o elevado número de casos. Segundo explica, quanto maior o contato entre pessoas, maior a chance de transmissão da doença.

“Embora a Covid-19 possa ser transmitida por aerossol, a principal forma é através de gotícula e isso só é possível se as pessoas tiveram aglomeradas”.

Para reduzir essa curva de contágio, Saldanha considera apenas uma alternativa. “Respeitar o distanciamento e, quem precisar sair de casa, que faça o uso dos EPIs”.

O professor Paulo Renato, autor do estudo do Mesor, concorda com a profissional da saúde e acrescenta que os números alarmantes da doença em Juazeiro estão intimamente ligados a postura da sociedade. “É um reflexo. A análise estatística é pautada no cotidiano. Sem a conscientização da sociedade os números não irão declinar e ainda teremos um prolongamento deste pico, o que representa mais dias sob altos números diários de contaminação”, explica.

Em uma realidade oposta, onde as medidas de isolamento sejam respeitadas, a projeção do Mesor é de que a taxa de contágio siga até o fim de outubro. Ainda conforme a projeção da pesquisa, em 23 de outubro deste ano, Juazeiro do Norte terá atingido a marca de 19.463 infectados. A partir de então, entra num processo de decréscimo até chegar a disseminação zero. “A análise é feita baseada nos números atuais, então reafirmo que pode ocorrer mudanças”, acrescenta.

A preocupação do analista em uma possível mudança no cenário futuro é alicerçada nas decisões governamentais adotadas no curso da pandemia. “Em alguns locais, o comércio foi aberto precocemente, o que ensejou em uma nova onda de contágio. Aqui no Cariri, em Barbalha, fala-se em realizar a festa do Pau da Bandeira justamente em outubro. É uma temeridade e pode acabar acarretando na prorrogação da pandemia”, avalia. Barbalha e Juazeiro do Norte estão atualmente em ‘lockdown’.

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