terça-feira, 27 de agosto de 2019

Governo quer rever isenções do IR até para pessoas com doença grave

A revisão das deduções de Imposto de Renda na mira da equipe econômica não se limitará a acabar com os descontos referentes a despesas com saúde e educação. O secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, disse, nesta terça-feira, que o governo quer propor uma “faxina” mais ampla no tributo, que abrangerá de isenções que hoje beneficiam alguns tipos de investimentos do mercado financeiro a benefícios para portadores de doença grave.

— Vamos fazer uma grande faxina (no Imposto de Renda), para torná-lo compatível com o que está acontecendo no mundo inteiro — disse Cintra, durante evento da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig). Hoje, são isentos de IR os rendimentos de aposentadoria de portadores de moléstia profissional ou de doenças como AIDS, doença de Parkinson e esclerose múltipla, por exemplo. O secretário afirmou que pretende rever essa regra.

Ele não especificou, no entanto, se a proposta afetaria todas as 16 doenças listadas pela legislação de 1988 que garante os benefícios. Segundo Cintra, há indícios de fraudes que desvirtuam os benefícios.

— Aquilo virou um abuso, um absurdo. Se criou uma indústria em cima dessa dedução por moléstia, que de grave não tem nada, mas que se enquadra como moléstia grave. Tem mercado, empresas especializadas, para dizer que quem tem uma tendinite porque jogou tênis demais se qualifica como doença grave e pro resto da vida fica comprando automóveis, às vezes alguns de luxo, com isenção total de tributos. Isso é um vazamento gigantesco, e injusto — disse o secretário.

No mercado financeiro, os alvos são as isenções concedidas a Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), e de fundos exclusivos — títulos voltados para investidores de alta renda. No ano passado, o governo chegou a encaminhar um projeto de lei para rever a tributação de fundos exclusivos, mas o texto está parado na Câmara dos Deputados.

Segundo Cintra, esses pontos serão revistos. Ele pretende também propor a volta da tributação de dividendos, hoje isentos. A ideia é tributar mais as pessoas físicas e menos as pessoas jurídicas, responsáveis por alavancar investimentos.

— Vamos adotar medidas de reanálise de uma série de instrumentos, aqueles penduricalhos que foram sendo colocados às vezes com justificativas plausíveis, mas pontuais, e quem sabe hoje já superadas pela realidade hoje do dia a dia. Eu cito algumas: tributação de dividendos, tributação de juros sobre capital próprio, vários benefícios hoje que o setor financeiro tem, CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários), CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio), fundos exclusivos — afirmou o secretário.

Essas propostas devem integrar um projeto de reforma tributária ainda em elaboração pelo governo. Ainda não está claro, no entanto, quando e como o Executivo encaminhará sua proposta ao Congresso.

Hoje, há pelo menos duas propostas principais em tramitação no Legislativo: uma originada na Câmara, outra no Senado. O governo já sinalizou que trabalha em uma proposta de conciliação. Fontes da equipe econômica garantem que há ao menos uma proposta de emenda à Constituição (PEC) e um projeto de lei em elaboração no gabinete do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Outros integrantes do time defendem, no entanto, que as contribuições do governo sejam enviadas ao Congresso por meio de sugestões ou emendas aos parlamentares. Nenhuma das propostas em tramitação no Congresso trata da reforma do IR. Abrangem apenas os tributos que incidem sobre o consumo.

Cintra defende uma proposta baseada em um tripé: além da reforma do IR, quer simplificar tributos federais sobre consumo e criar uma contribuição sobre movimentações financeiras para substituir a tributação sobre folha de pagamento, que hoje financia a Previdência. Esse tributo, que vem sendo chamado internamente de Contribuição Social sobre Transações (CST), é frequentemente comparado à antiga CPMF, que vigorou no país entre 1996 e 2007 e se tornou impopular.

O secretário refutou a comparação e disse que foi contra a CPMF, que teria sido, na avaliação dele, um “estupro” do imposto único federal — projeto de sua autoria que previa a substituição de todos os tributos do país por um único, incidindo sobre transações financeiras.

— Quando o Fernando Henrique (Cardoso, ex-presidente) pegou e transformou o que era para ser um imposto único em um imposto a mais, o Roberto Campos (economista e ex-ministro do Planejamento), grande amigo meu e grande defensor do imposto único, disse: “Marcos, mataram a tua ideia”. O Fernando Henrique estuprou o imposto único — disse Cintra.

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