sábado, 27 de abril de 2019

Gasto milionário com substitutos de defensores é incógnita no Ceará

Em apenas um mês, um advogado recebeu dos cofres públicos do Ceará a quantia de R$ 94.232,20. O valor corresponde à atuação do profissional como "advogado dativo" em vários atos nas comarcas do interior no ano passado. A função é prevista em lei: a advocacia dativa é a prática da nomeação de advogados comuns por parte de juízes para atuar como defensor público em atos específicos. Falta, porém, transparência - nem o Executivo nem o Judiciário sabem quanto os dativos custam ao Estado atualmente.

Na prática, o acusado de um crime que não tem condições de pagar um advogado, por exemplo, pode ser defendido por um dativo pago pelo Estado. De acordo com a Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), os honorários são os mesmos normatizados para qualquer outro profissional do Direito que atua na esfera pública ou privada.

Apenas no ano passado, o Estado desembolsou cerca de R$ 2,3 milhões para esses profissionais. Os dados, que constam no Diário da Justiça, revelam que a cifra pode ser ainda maior se levados em consideração todos os atos que não são publicados em registros oficiais do Governo, como são os casos de audiências públicas. Os valores totais, entretanto, não são revelados por quem executa os gastos.

A reportagem procurou o Governo do Estado, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), para questionar os valores reais investidos na modalidade. Durante um mês e meio, a Procuradoria-Geral do Estado, a Casa Civil e a Secretaria da Fazenda (Sefaz) foram provocadas através da plataforma. As duas primeiras alegaram que a responsabilidade das informações era do Poder Judiciário. A Sefaz, por sua vez, nem sequer chegou a responder à demanda.

O Tribunal de Justiça também foi procurado. Em resposta, alegou que os gastos são equacionados pelo Estado, portanto, era o responsável por prestar os esclarecimentos. No dia 21 de março, o deputado estadual Renato Roseno (PSOL) conseguiu aprovar na Assembleia Legislativa requerimento à PGE solicitando o real gasto do Estado com os advogados dativos.

Em entrevista, Roseno argumentou que "o Estado tem 148 cargos vagos de defensor público" e que, "na outra ponta, está pagando advogados nomeados por ordem judicial da magistratura". O parlamentar justifica o requerimento alegando ser "fundamental que a sociedade saiba quanto está se gastando".

Resposta

Líder do Governo na Assembleia, o deputado estadual Julio César Filho (PPS) diz que o Estado "entende que a responsabilidade dos pagamentos dos advogados dativos é da Defensoria Pública, que tem autonomia administrativo-financeira". Os pagamentos feitos pelo Estado, segundo ele, são resultados de cumprimento de ações judiciais. O parlamentar prometeu que o requerimento do deputado opositor será respondido.

A prática da advocacia dativa expõe, ainda, a chaga do déficit de defensores públicos e a falta de controle do Estado para a nomeação de advogados substitutos. Embora a modalidade esteja prevista na Constituição, a "rotina" nas comarcas do interior aponta para gasto sem controle do dinheiro público.

O Diário do Nordeste teve acesso a pagamentos pontuais a profissionais que atuam como dativos. Há verdadeiras batalhas judiciais no Tribunal de Justiça entre profissional que atuou como dativo e o Estado, que, em muitas ocasiões, se recusa a efetuar os pagamentos. Em um dos casos, um advogado exige que o Palácio da Abolição pague o valor de R$ 4.200,00, correspondente a duas audiências públicas acompanhadas por ele.

Déficit

No Ceará, há 148 postos vagos de defensores públicos, enquanto 100 aprovados no último concurso, de 2015, aguardam nomeação. A juíza Larissa Braga, que atua na 2ª Vara Criminal da Comarca de Juazeiro do Norte, admitiu à reportagem que, apesar de haver profissionais concursados nas grandes cidades, a nomeação de dativos é rotina. A prática se repete quando o defensor está impossibilitado de acompanhar o cidadão por motivos, como licença, férias ou acúmulo de trabalho.

"Você marca a audiência e o defensor não pode naquele dia, e você fica no corredor do Fórum procurando um advogado (para atuar como dativo). Na Defensoria, não tem substituto, e, quando tem, ele tem as responsabilidades na titularidade", diz a magistrada ao argumentar que o trabalho fica prejudicado.

De acordo com a juíza, que também é diretora de Patrimônio e Finanças da Associação Cearense dos Magistrados, a ausência de defensores públicos prejudica o andamento do processo. "É um problema muito sério", reforça.

Diário do Nordeste

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