domingo, 18 de março de 2012

Advogado: Indispensável à Justiça


A velha máxima foi relegada à segundo plano. E o mais grave, ao arrepio da lei. Inserto na Carta Magna como garantia constitucional no capítulo que trata das funções essenciais à Justiça, o art. 133 não deixa margem a dúvidas: O advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.  

E os limites a que se refere a Lei Maior não permitem interpretações cerceadoras nem tampouco legitima óbices ao exercício da advocacia como os que tentaram me impor na semana próxima passada. 

A constatação me veio quando estive na sede do Fórum Eleitoral de Iguatu para fazer cópias de um processo público solicitado pelo colega Fabrício Moreira da Costa, causídico do processo que buscava. 

Depois de três inúteis tentativas de levar o processo para cópias, recebi as esdrúxulas explicações da chefe do Cartório que deveria ser “acompanhado” por um servidor para que pudesse fazer carga do processo e fazer as cópias que julgasse necessárias. Essa era a praxe. Qual foi minha surpresa, pedi que repetisse o absurdo por não haver entendido. Aliás, até hoje não consigo compreender tamanha afronta.

E não a mim, pois fui tratado com respeito e elegância, ressalte-se devidos, mas ao pleno exercício profissional do advogado, ao cumprimento da lei, aos princípios norteadores da Justiça Pública, traduzindo-se o ato numa verdadeira ameaça ao Estado Democrático de Direito.

Logo ali, no Fórum Eleitoral que prima facie zela pela lisura dos pleitos em que são eleitos nossos representantes e ademais, leva o honroso nome do nobilíssimo Meton Vieira, iguatuense e um dos mais ilustres quadros da advocacia alencarina. Onde estiver, Dr. Meton certamente deve ter se remexido por inteiro, tamanha indignação despertada.    

Não parecia ser verdade, mas estava de fato e sem direitos diante de uma posição que nos faz lembrar os regimes ditatoriais, quando se confundem servidores com proprietários, ilegítmos possuidores de “prerrogativas” usurpadas, inaceitáveis para os dias atuais.

Impedir o advogado de ter acesso ao processo é o mesmo que impossibilitar o médico de examinar seu paciente, resultando como imediata conseqüência a ineficácia do diagnóstico preciso e necessário. Em Justiça especializada como a Eleitoral, cujos prazos são exíguos, a celeridade tão reclamada pela sociedade sofre ainda maior ameaça.

Minimizar o desatino com o envio de um condutor para acompanhar o processo é ferir de morte o princípio da dignidade da pessoa humana, aqui travestida no pleno exercício profissional do advogado, contaminando a relação processual com uma das mais graves afrontas ao sagrado princípio da presunção de inocência, solenemente desprezado.

Não bastasse impingir ao advogado presumidas culpa e indignidade ao não conferir-lhe o direito ao manuseio dos autos, quando o faz, numa espécie de concessão – própria dos semideuses reconhecidos como piedosos – impõe-se seja ele, o processo, salvaguardado por quem tenha suposta dignidade de manuseá-lo. E o mais absurdo de toda essa história é que na maioria das vezes o funcionário sequer pertence aos quadros da própria Justiça, sendo-lhe conferida uma prerrogativa profissional, quando ao advogado, legítimo possuidor, lhe é subtraída.

A atitude é de flagrante desrespeito aos preceitos e princípios constitucionais tanto quanto é desafiadora no que se refere aos direitos do advogado regulamentados na Lei federal nº 8906/94, Estatuto que trata do exercício da advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, ambos ultrajados. 

A confiança, enquanto princípio norteador da relação processual vê-se abalada da forma mais risível, vez que a inversão dos papéis torna o advogado mero objeto nas mãos de servidores mecanicamente treinados para obedecer a seus superiores. Nada mais natural, não fosse a quebra da sagrada tríade juiz, promotor e advogado, cuja hierarquia transforma-os em autoridades de mesmo nível, não havendo entre eles nenhum dever de subordinação como querem fazer crer os leigos e desavisados.

Altivez e convicção jamais podem ser confundidas com arrogância e prepotência. E por essa razão os mais diferentes recursos de argumentação foram utilizados. Todos em vão, pois indevidamente negados em nome da tal práxis advinda sabe-se lá de onde. 

A missão foi cumprida. Advogar é antes de tudo adotar a humildade como fonte de inspiração e os argumentos como instrumento de trabalho. Vencido pela necessidade premente de verem resguardados os direitos do constituinte, sem prejuízos dos prazos conferidos por lei, levei em minha companhia o serventuário e guardião do sagrado processo.

E sem surpresa obtive a confirmação do que imaginava ser óbvio. Aquela absurda medida era ministrada exclusivamente para os causídicos, sendo facultado ao Ministério Público a carga sem remota previsibilidade de prejuízo à sacralidade do processo, defendida tão somente quando da condução por advogado. Necessário reconhecer os corretos tratamento e procedimento adotados para o Parquet, não sem antes ressaltar a quebra do princípio da isonomia que devem ser dadas às partes em litígio ou mesmo fora dele.

Lembremo-nos que a Justiça alimenta-se da credibilidade nascida do tratamento igualitário que se presume garantidor da imparcialidade imprescindível a quem julga. E aqui muito à vontade me sinto para apresentar o meu repúdio aos obstáculos apresentados num momento em que a Justiça Eleitoral estava anencéfala, a chorar a despedida de seu cioso magistrado, removido para a não menos importante Comarca do Crato.

O que visto aqui se pratica ali e alhures em desfavor do melhor exercício profissional, causando-nos embaraços muitas vezes não revelados em nome da convivência social, por nós defendida mas em tempo algum confundida com conivência ou parcimônia.   

Pelo visto, os responsáveis pela guarda dos processos eleitorais aprenderam cedo as lições de Maquiavel justificando os fins com os meios. As questões aqui levantadas são, contudo maiores e principiológicas, sendo condutas lesivas aos seus preceitos, claro atentado à segurança jurídica, pilastra base na manutenção do Estado Democrático de Direitos, a quem juramos defender.

O desagravo público sugerido por alguns colegas seguramente não será a mais eficaz das medidas, ainda que se reconheça necessária. O que de fato nos servirá como alento é levar ao seio da sociedade as agruras pelas quais passam os que somos profissionais dedicados aos interesses de outrens, com garantias e direitos também violados na sua forma mais elementar e grotesca, a que não podemos calar em nome do que defendemos como bandeira: a ética e o respeito ao cumprimento das Leis.

Não se presta nenhuma homenagem ou favor aquele que trata com respeito e acatamento os profissionais que se somam na busca pela tão sonhada Justiça. Fomos educados para defender e jamais poderemos nos furtar do legítimo direito de pleitear o efetivo cumprimento das nossas prerrogativas profissionais, em todos os tempos, garantia mínima de ordem social, pois sem advogado não há justiça e sem Justiça continuaremos reféns de atitudes que venham macular a dignidade do profissional do Direito.

Num instante em que a sociedade se levanta em favor do Conselho Nacional de Justiça, busca mais celeridade processual e inova acenando com a necessidade de mais transparência na fiscalização do Poder Judiciário, ainda somos alvo de tratamento incompatível com a nossa grandeza profissional, a exemplo das famosas “porteiras” em que se abarrotam colegas no Fórum Clóvis Bevilácqua em nossa capital. Um verdadeiro desrespeito à dignidade dos que advogamos.

Imperioso reconhecer inúmeros magistrados justos e serventuários dedicados, fiéis escudeiros e cumpridores de suas também árduas missões, mas impende sejam revistas atitudes que venham a ferir ou ameaçar o advogado, uma das importantes partes do tripé no qual se ampara a nossa Justiça Pública.

Aprendemos desde meninos que Justiça boa começa em casa, pois que sejam tomadas as atitudes no sentido de coibir com veemência tais práticas, em nome da própria Justiça, a quem devotamos admiração, crença e absoluto respeito.

Corolário de inúmeras conquistas sociais, a Constituição tida como cidadã é garantidora de direitos fundamentais violados e responsável pelo restabelecimento de tantas outras garantias cassadas no anterior regime de exceção. Qualquer ato contrário ao seu cumprimento é permitir o retrocesso que sempre se faz a partir de pequenas ações, razão pela qual levantamo-nos com suave, porém firme convicção de que não sucumbiremos a qualquer tentativa de macular a profissão que honramos defender.

Theognis Martins Teixeira Florentino é Advogado e Professor de Direito Romano, Direito Municipal e Oratória Forense da Universidade Regional do Cariri – URCA/Iguatu.

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