A velha máxima foi relegada à
segundo plano. E o mais grave, ao arrepio da lei. Inserto na Carta Magna como
garantia constitucional no capítulo que trata das funções essenciais à Justiça,
o art. 133 não deixa margem a dúvidas: O
advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por
seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
E
os limites a que se refere a Lei Maior não permitem interpretações cerceadoras
nem tampouco legitima óbices ao exercício da advocacia como os que tentaram me
impor na semana próxima passada.
A
constatação me veio quando estive na sede do Fórum Eleitoral de Iguatu para
fazer cópias de um processo público
solicitado pelo colega Fabrício Moreira da Costa, causídico do processo que buscava.
Depois de três inúteis tentativas de levar o processo para cópias, recebi as
esdrúxulas explicações da chefe do Cartório que deveria ser “acompanhado” por
um servidor para que pudesse fazer carga do processo e fazer as cópias que
julgasse necessárias. Essa era a praxe. Qual foi minha surpresa, pedi que
repetisse o absurdo por não haver entendido. Aliás, até hoje não consigo
compreender tamanha afronta.
E não a mim, pois fui tratado com
respeito e elegância, ressalte-se devidos, mas ao pleno exercício profissional
do advogado, ao cumprimento da lei, aos princípios norteadores da Justiça
Pública, traduzindo-se o ato numa verdadeira ameaça ao Estado Democrático de
Direito.
Logo ali, no Fórum Eleitoral que prima facie zela pela lisura dos pleitos
em que são eleitos nossos representantes e ademais, leva o honroso nome do
nobilíssimo Meton Vieira, iguatuense e um dos mais ilustres quadros da
advocacia alencarina. Onde estiver, Dr. Meton certamente deve ter se remexido
por inteiro, tamanha indignação despertada.
Não parecia ser verdade, mas
estava de fato e sem direitos diante
de uma posição que nos faz lembrar os regimes ditatoriais, quando se confundem
servidores com proprietários, ilegítmos possuidores de “prerrogativas”
usurpadas, inaceitáveis para os dias atuais.
Impedir o advogado de ter acesso
ao processo é o mesmo que impossibilitar o médico de examinar seu paciente,
resultando como imediata conseqüência a ineficácia do diagnóstico preciso e
necessário. Em Justiça especializada como a Eleitoral, cujos prazos são
exíguos, a celeridade tão reclamada pela sociedade sofre ainda maior ameaça.
Minimizar o desatino com o envio
de um condutor para acompanhar o processo é ferir de morte o princípio da
dignidade da pessoa humana, aqui travestida no pleno exercício profissional do
advogado, contaminando a relação processual com uma das mais graves afrontas ao
sagrado princípio da presunção de inocência, solenemente desprezado.
Não bastasse impingir ao advogado
presumidas culpa e indignidade ao não conferir-lhe o direito ao manuseio dos
autos, quando o faz, numa espécie de concessão – própria dos semideuses
reconhecidos como piedosos – impõe-se seja ele, o processo, salvaguardado por
quem tenha suposta dignidade de manuseá-lo. E o mais absurdo de toda essa
história é que na maioria das vezes o funcionário sequer pertence aos quadros
da própria Justiça, sendo-lhe conferida uma prerrogativa profissional, quando
ao advogado, legítimo possuidor, lhe é subtraída.
A atitude é de flagrante
desrespeito aos preceitos e princípios constitucionais tanto quanto é
desafiadora no que se refere aos direitos do advogado regulamentados na Lei
federal nº 8906/94, Estatuto que trata do exercício da advocacia e da Ordem dos
Advogados do Brasil, ambos ultrajados.
A confiança, enquanto princípio
norteador da relação processual vê-se abalada da forma mais risível, vez que a
inversão dos papéis torna o advogado mero objeto nas mãos de servidores
mecanicamente treinados para obedecer a seus superiores. Nada mais natural, não
fosse a quebra da sagrada tríade juiz,
promotor e advogado, cuja hierarquia transforma-os em autoridades de mesmo
nível, não havendo entre eles nenhum dever de subordinação como querem fazer
crer os leigos e desavisados.
Altivez e convicção jamais podem
ser confundidas com arrogância e prepotência. E por essa razão os mais
diferentes recursos de argumentação foram utilizados. Todos em vão, pois
indevidamente negados em nome da tal práxis
advinda sabe-se lá de onde.
A missão foi cumprida. Advogar é
antes de tudo adotar a humildade como fonte de inspiração e os argumentos como
instrumento de trabalho. Vencido pela necessidade premente de verem
resguardados os direitos do constituinte, sem prejuízos dos prazos conferidos
por lei, levei em minha companhia o serventuário e guardião do sagrado
processo.
E sem surpresa obtive a
confirmação do que imaginava ser óbvio. Aquela absurda medida era ministrada
exclusivamente para os causídicos, sendo facultado ao Ministério Público a
carga sem remota previsibilidade de prejuízo à sacralidade do processo,
defendida tão somente quando da condução por advogado. Necessário reconhecer os
corretos tratamento e procedimento adotados para o Parquet, não sem antes ressaltar a quebra do princípio da isonomia
que devem ser dadas às partes em litígio ou mesmo fora dele.
Lembremo-nos que a Justiça
alimenta-se da credibilidade nascida do tratamento igualitário que se presume
garantidor da imparcialidade imprescindível a quem julga. E aqui muito à
vontade me sinto para apresentar o meu repúdio aos obstáculos apresentados num
momento em que a Justiça Eleitoral estava anencéfala, a chorar a despedida de
seu cioso magistrado, removido para a não menos importante Comarca do Crato.
O que visto aqui se pratica ali e
alhures em desfavor do melhor exercício profissional, causando-nos embaraços
muitas vezes não revelados em nome da convivência social, por nós defendida mas
em tempo algum confundida com conivência ou parcimônia.
Pelo visto, os responsáveis pela
guarda dos processos eleitorais aprenderam cedo as lições de Maquiavel
justificando os fins com os meios. As questões aqui levantadas são, contudo
maiores e principiológicas, sendo condutas lesivas aos seus preceitos, claro
atentado à segurança jurídica, pilastra base na manutenção do Estado
Democrático de Direitos, a quem juramos defender.
O desagravo público sugerido por
alguns colegas seguramente não será a mais eficaz das medidas, ainda que se
reconheça necessária. O que de fato nos servirá como alento é levar ao seio da
sociedade as agruras pelas quais passam os que somos profissionais dedicados
aos interesses de outrens, com garantias e direitos também violados na sua
forma mais elementar e grotesca, a que não podemos calar em nome do que
defendemos como bandeira: a ética e o respeito ao cumprimento das Leis.
Não se presta nenhuma homenagem
ou favor aquele que trata com respeito e acatamento os profissionais que se
somam na busca pela tão sonhada Justiça. Fomos educados para defender e jamais
poderemos nos furtar do legítimo direito de pleitear o efetivo cumprimento das
nossas prerrogativas profissionais, em todos os tempos, garantia mínima de
ordem social, pois sem advogado não há justiça e sem Justiça continuaremos
reféns de atitudes que venham macular a dignidade do profissional do Direito.
Num instante em que a sociedade
se levanta em favor do Conselho Nacional de Justiça, busca mais celeridade
processual e inova acenando com a necessidade de mais transparência na
fiscalização do Poder Judiciário, ainda somos alvo de tratamento incompatível
com a nossa grandeza profissional, a exemplo das famosas “porteiras” em que se
abarrotam colegas no Fórum Clóvis Bevilácqua em nossa capital. Um verdadeiro
desrespeito à dignidade dos que advogamos.
Imperioso reconhecer inúmeros
magistrados justos e serventuários dedicados, fiéis escudeiros e cumpridores de
suas também árduas missões, mas impende sejam revistas atitudes que venham a
ferir ou ameaçar o advogado, uma das importantes partes do tripé no qual se
ampara a nossa Justiça Pública.
Aprendemos desde meninos que
Justiça boa começa em casa, pois que sejam tomadas as atitudes no sentido de
coibir com veemência tais práticas, em nome da própria Justiça, a quem
devotamos admiração, crença e absoluto respeito.
Corolário de inúmeras conquistas
sociais, a Constituição tida como cidadã é garantidora de direitos fundamentais
violados e responsável pelo restabelecimento de tantas outras garantias
cassadas no anterior regime de exceção. Qualquer ato contrário ao seu
cumprimento é permitir o retrocesso que sempre se faz a partir de pequenas
ações, razão pela qual levantamo-nos com suave, porém firme convicção de que
não sucumbiremos a qualquer tentativa de macular a profissão que honramos
defender.
Theognis Martins Teixeira Florentino é Advogado e Professor de Direito Romano, Direito
Municipal e Oratória Forense da Universidade Regional do Cariri – URCA/Iguatu.
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