segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

A cada 10 cidades, 7 não captam doações para Fundo da Criança no Ceará

Dinheiro extra para garantir a realização de projetos de promoção, proteção e defesa dos direitos da população infantojuvenil nos municípios. É isso que, na prática, significam os recursos do Fundo para a Infância e Adolescência, mecanismo previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e que pode ser criado pelas prefeituras e estados no Brasil.

Para captar os valores, provenientes de doações, como as oriundas do Imposto de Renda de pessoas físicas e empresas, os municípios precisam criar o Fundo por lei específica e seguir uma série de exigências administrativas. Mas, no Ceará, das 184 cidades, apenas 53, segundo levantamento divulgado pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), estão aptas a receber esse dinheiro. O total de municípios não habilitados equivale a 71,2% das cidades cearenses.

Conforme levantamento da CNM, em termos proporcionais, considerando o total de cidades e quantas estão aptas a receber os valores, o Ceará, embora tenha uma baixa quantidade de municípios regulares, é o 9º Estado do País que mais tem cadastros.

Santa Catarina é o Estado que tem a maior proporção, pois a cada 10 cidades, seis têm fundo regular e ativo, sendo habilitados para receber. Os dados usados na pesquisa, segundo o CNM, são da Receita Federal e da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNDCA).

Uma das fontes de recursos do Fundo para a Infância e Adolescência são as deduções do Imposto de Renda. Ou seja, um dinheiro que, nessa situação, não sai dos cofres públicos, pois pode ser doado tanto pela população, como pelas empresas, para garantir a execução de projetos sociais. Para pessoas físicas, o limite de doações é de 6% do imposto. Já para as empresas é de 1%.

O Ceará, em 2019, recebeu 1.286 doações nos 54 Fundos cadastrados (53 municipais e 1 estadual) provenientes de deduções do Imposto de Renda. A maior concentração desses fundos, de acordo com o estudo da CNM, está nos estados de São Paulo (16,2%), Minas Gerais (13,9%) e Rio Grande do Sul (12,8%). Na somatória, o Ceará tem 3,19% dos fundos da criança e adolescente do País. Se considerado os 53 Fundos Municipais, no Ceará foram registradas 884 doações.

O ex-conselheiro Estadual dos Direitos das Crianças e Adolescente e ex-consultor do Unicef Ceará, Armando Bandeira, explica que, na prática, o dinheiro que é utilizado para financiar programas e projetos sociais, é um valor extra. Isto faz com quem os municípios possam usar algumas verbas próprias para outras finalidades, desafogando financeiramente o orçamento.

"Ninguém é obrigado a ter o Fundo. Mas se o município não tem, ele opera só com fontes ordinárias. E na situação de retratação de verbas que temos é complicado. Ele deixa de ter aporte de recursos adicionais", explica.
Organização

Mas, no dia a dia, garante ele, quem decide o uso a ser dado a essa verba não é o gestor diretamente, e sim, o Conselho dos Direitos das Crianças e do Adolescente constituído em cada cidade ou Estado. De acordo com Armando, os municípios utilizam esse dinheiro para, por exemplo, ampliar a proteção de crianças e adolescentes através da capacitação dos profissionais que atuam no sistema de garantia de direitos: integrantes de conselhos, servidores, assistentes sociais, dentre outros. Além disso, é possível financiar a ação de ONGs e implantar novos programas que atendam crianças vítimas de violência ou em situação de vulnerabilidade.

A presidente do Conselho Estadual da Criança e do Adolescente do Ceará, Mônica Sillan, reitera a informação "o gestor municipal ou qualquer secretaria não pode fazer qualquer tipo de transação com esse recurso do Fundo sem ter aprovação do Conselho Municipal. E o Conselho não pode deliberar sobre a utilização do Fundo sem ter um diagnóstico situacional da criança e do adolescente dizendo qual é a necessidade real e qual o percentual que deve ser usado".
Distribuição

Ela também comenta quanto à distribuição do uso da verba. Pode ser que, em um determinado Município, o Conselho delibere que o recurso seja usado para combater o trabalho infantil e em outro a prioridade seja o atendimento a vítimas de violência.

Sillan, que coordena a ONG Frente de Assistência à Criança Carente, acrescenta outro exemplo de uso da verba.

Na organização que coordeno, desenvolvemos uma tecnologia para adolescentes chamado 'Projeto Fala Sério' que só foi viável por conta do recurso

Mônica diz ainda que, com o dinheiro, foram ofertadas formações básicas para crianças e adolescentes da Região Metropolitana. Nesse processo, o público teve acesso à produção de cartilhas sobre os direitos básicos.

Na pesquisa, a CNM destaca que essa verba é um recurso extra considerado estratégico, principalmente, "tendo em vista as dificuldades econômicas nacionais e regionais e a ausência de uma estrutura de cofinanciamento que seja regular e envolva os entes federados". O estudo aponta que "o número de municípios que investem no potencial dos fundos ainda é pequeno quando comparado ao seu total", pois, das 5.568 cidades brasileiras, 3.899 têm dificuldades na regularização e organização e também na mobilização para doações e captação do dinheiro.
Efeitos

Devido à ausência de regularização do Fundo para a Infância e Adolescência, segundo o CNM, os municípios do Brasil deixam de captar entre R$ 511 milhões e R$ 1.023 bilhão ao ano, já que a margem de doação pode ser de 3% a 6%. Para ter acesso ao repasse da Receita Federal, os municípios devem estar em situação regular junto à Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Caso os fundos municipais e estaduais estejam com informações bancárias ausentes, incompletas ou com Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) em situação irregular, ficam impedidos de receber o repasse.

No caso do Ceará, as principais dificuldades na captação de recursos via Fundo da Infância estão relacionadas, segundo o levantamento da CNM, à criação da conta bancária específica e a ausência de campanhas de sensibilização para doação. Pois, segundo a CNM, no Estado vários municípios têm o cadastro correto, mas não receberam verba em 2019.

O ex-consultor do Unicef Ceará, Armando Bandeira, destaca que todos os 184 municípios do Estado já criaram o Fundo através de Lei, mas essas cidades "não se organizam administrativamente para garantir a efetividade desse mecanismo". Na sua avaliação, o desconhecimento predomina e muitas cidades não compreendem as formas de implantação. Além disso, reforça que é necessário adotar estratégias de captação dos recursos como realizar ações de sensibilização junto aos empresários.

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