segunda-feira, 24 de junho de 2019

Crescimento das festas juninas movimenta a economia, a moda e o turismo no Ceará

De uma herança trazida das terras europeias, mais especificamente da França do século XVIII, a quadrilha junina ganhou uma ressignificação toda especial no Brasil, sobretudo nos estados da região Nordeste, sendo atrelada aos folguedos que reverenciam a sagrada tríade - São João, Santo Antônio e São Pedro (no Maranhão, porém, ainda existem as festas dedicadas a São Marçal, no dia 30). Tendo como característica uma dança formada por casais "matutos", um padre, uma Rainha do Milho, um marcador (que comanda a brincadeira) e instrumentos característicos (sanfona, zabumba e triângulo, a priori), a quadrilha junina, aos poucos, adquiriu novos contornos, sobretudo, de ordem estética.

Das roupas típicas que privilegiavam o colorido da chita, os vestidos e demais acessórios dos grupos ornam agora pedrarias das mais variadas, veludos, rendas, bordados, flores, babados e mais babados. Balões de gás hélio, efeitos pirotécnicos, grandes alegorias e até trocas de roupa instantâneas durante a própria apresentação trazem um questionamento, sobretudo para os menos acostumados: teriam as quadrilhas se afastado do que conhecíamos, até então, como "tradicional"? O São João, hoje, chegou ao patamar de uma "carnavalização", no sentido de se equiparar aos grandes espetáculos de caráter popular?

"Não tem mais quadrilha como antigamente", frisou Joaquim Sotero. Historiador e figurinista de 2019 da quadrilha Cumpade Justino, de Maracanaú, já com 23 anos de trajetória. Joaquim - que, em 2018, assinou o figurino do casal matuto da Junina Babaçu - destrincha o aparato que existe por trás de um grupo. "Todas elas, hoje, têm uma produção por trás, com pesquisadores, equipe de marketing, coreógrafos, figurinistas, profissionais formados em/no teatro". Para ele, esse novo modelo de quadrilhas é algo natural. "Acredito na dinâmica que a cultura é. As novas formas de se comunicar, as novas tecnologias, as referências tiradas de outros movimentos culturais, como o próprio Carnaval", resume.

Presidente da Junina Babaçu, que celebra 30 anos em 2019, Tácio Monteiro afirma que a discussão entre "ser tradicional" e "ser estilizado" não vem de hoje. "Nossa quadrilha, que antes era Arraiá do Babaçu, teve um alicerce. Começou bem simples, de comunidade e, com alguns anos, passou a ser de Fortaleza, porque passou a ter integrantes também da Capital. A gente foi se adequando à realidade dos concursos, porque, na verdade, essa mudança e essa diferenciação entre quadrilha tradicional e quadrilha estilizada sempre foi colocada em pauta", afirma. E corrobora com a opinião de Joaquim: "Eu posso lhe dizer que hoje não temos mais grupos tradicionais como tínhamos nas décadas de 1980 e 1990. Eles foram se adequando e aqueles que se conservaram tradicionais deixaram de existir", sinaliza.

Também historiadora, Cícera Barbosa integra a Rede de Pesquisadores em Cultura Junina, formando o júri de quadrilha para o Ceará Junino, Sesc Circuito e União Junina. Para ela, a questão ou não da originalidade nos grupos perpassa, antes de tudo, a lógica do que seja cultura. "A cultura não é uma coisa morta. Ela está em movimento, é dinâmica e também se altera com o tempo. A gente trabalha com as mudanças e com as permanências desse ciclo junino. O que se alterou: muitas comidas entraram nesse cardápio, muitos passos de balé, tecidos que não faziam parte, ritmos além do xote, do xaxado e do baião. E foram várias alterações, inclusive, na forma de julgar", explica.

"A gente tem aí alguns destaques que acabam sendo muito celebrados, como é o caso da rainha, do marcador e dos noivos, os principais atores dessa celebração. A quadrilha é uma celebração da colheita e uma festa, que é a de casamento. É fruto do seu tempo. Algumas coisas conseguem se consolidar e outras, não. Por isso a gente trabalha com os jurados noções de patrimônio, cultura e memória, para que eles tenham noção deste elemento histórico que fala sobre a identidade, pertencimento, tradição...", finalizou Cícera.

OPovo

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